Blogue Blue

Blogue Blue

domingo, 1 de abril de 2012

Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos - Porto Alegre

Por Lucimar F Siqueira
Observatório das Metrópoles
Núcleo Porto Alegre

A Prefeitura de Porto Alegre está discutindo o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos. Conforme notícia publicada no site da prefeitura o objetivo do Plano é "dar destinação adequada aos resíduos. "


É importante observarmos, no mínimo, 3 aspectos relacionados à questão: a Política Nacional de Resíduos Sólidos, o Fundo para Implementação do Programa de Redução Gradativa de Veículos de Tração Animal e Veículos de Tração Humana e o Programa Pró-Guaíba.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos:



Assinada em 02 de Agosto de 2010 a Lei Nº 12.305 Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Esta política tem, entre outros, dois propósitos que nos interessam neste momento: incentivar as atividades de cooperativismo e associações de catadores por meio de linhas de financiamento  e, incentivar que a produção de embalagens no Brasil sejam fabricadas  a partir de materiais que propiciem reutilização ou reciclagem para viabilizar ainda mais os profissionais de coleta seletiva e reciclagem (notas de imprensa MDS). 

Nitidamente ficam expressas algumas questões fundamentais relacionadas à reciclagem: os catadores, o lixo, as cooperativas ou associações, as linhas de financiamentos e a própria legislação.  

A instituição da Política Nacional de Resíduos Sólidos traz em sua esteira a obrigatoriedade para que os Municípios elaborem os Planos Diretores de Resíduos Sólidos até o final de 2012 como condição para acessar qualquer forma de financiamento relacionada a área. 

A Prefeitura de Porto Alegre se movimentou neste sentido. Realizou em agosto de 2010  o 2º Seminário do Plano Diretor de Resíduos Sólidos (PDRS). Na ocasião foi anunciada a empresa contratada para realizar o diagnóstico do Plano e que deveria realizar "todos os levantamentos necessários sobre o Sistema de Gerenciamento Integrado (SGI) que é composto pelos serviços de limpeza, coleta, tratamento e disposição final dos resíduos sólidos em Porto Alegre." (DMLU)

Aparentemente, tem muita gente de olho no aumento de produção de resíduos recicláveis, pois tratou, também, de criar mecanismos para forçar a retirada de carroceiros e carrinheiros das ruas. 

Em novembro de 2010 foi apresentada à Camara de Vereadores Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 014/2010 o qual criou o Fundo para Implementação do Programa de Redução Gradativa de Veículos de Tração Animal e Veículos de Tração Humana em Porto Alegre.

O documento publicado no site da Câmara Municipal cita como justificativa: a “necessidade de promover políticas públicas, para implementação do programa instituído pela Lei nº 10.531, de setembro de 2008, que tem como finalidade promover ações que viabilizem a transposição dos condutores de VTAs e VTHs, para outros mercados de trabalho.”



Seguindo, na segunda seção do PLC aparecem as formas de aplicações dos recursos.
O Projeto de Lei prevê ações para cursos profissionalizantes, de alfabetização e programas de geração de renda e de qualificação profissional. No entanto, em nenhum momento faz referência à importância da participação dos trabalhadores catadores no processo de gestão de resíduos sólidos, na participação da cadeia produtiva e da discussão do Plano Diretor. 



O projeto omite o fato de que o trabalho do catador está na base produtiva deste processo, portanto, numa posição absolutamente indispensável à reciclagem. O que está sendo delineado, então, é um cenário que permite às empresas capturar a renda na base alimentando toda a estrutura empresarial e cadeia produtiva da reciclagem. Considerando que os catadores são responsáveis no Brasil por aproximadamente 60% do papel e papelão reciclado e 90% do material que alimenta as indústrias de reciclagem, não é de se estranhar que esta seja uma proposta interessante para os empresários (*).

A criação do fundo para a transposição dos condutores para outros mercados de trabalho mostra que não se trata de atender a um apelo sentimental em relação aos animais e humanitário quanto aos catadores, mas simplesmente retirar os trabalhadores da atividade que desenvolvem. É um projeto de lei que não só retira seus objetos de trabalho como também o direito de realizar a própria sobrevivência uma vez que não propõe a substituição de carroças e carrinhos por outras formas de transporte do material.

É com base nesta lógica que as notícias sobre a discussão do Plano Diretor não citam a participação ampla dos catadores da cidade de Porto Alegre. Não abre espaço para que os trabalhadores tenham voz, consigam expressar a pluralidade de experiências construídas por eles próprios nem mesmo estabeleçam discussões para a criação de cooperativas e associações. 

Não ouvem os catadores da Vila Chocolatão reassentados na Protásio Alves isolados e à mercê de condições precárias de sobrevivência porque foram separados de seus objetos e local de trabalho. O que dizem os catadores das comunidades do Cristal, Tronco, Divisa, Cruzeiro, Dique, Nazaré e outras tantas famílias que não tiveram acesso aos reassentamentos porque precisaram optar entre ser carroceiros/carrinheiros ou ter uma casa?

O processo excludente continua.

No dia 21 de dezembro de 2011 foi apresentado à Prefeitura de Porto Alegre o Cadastro de carroceiros e carrinheiros somente do Bairro Arquipélago. Segundo o cadastro, das 155 famílias que trabalham com resíduos recicláveis, 109 utilizam veículos de tração animal e outras 11 famílias utilizam veículo de tração humana. O que planeja a prefeitura para estes trabalhadores?


O que tem o Programa Pró-Guaíba com tudo isso?


O Programa foi uma iniciativa do Governo do Estado do Rio Grande do Sul cujo objetivo era "promover o desenvolvimento socioambiental da Região Hidrográfica do Guaíba".  Foram investidos US$ 220,5 milhões, parte financiada pelo BID, outra pelo governo do Rio Grande do Sul (veja tabela de investimentos) para desenvolver projetos em 250 municípios do Estado. Entre estes projetos estavam aqueles relacionados à questão dos resíduos sólidos. O programa encerrou a primeira etapa de suas atividades em 2005 após 10 anos de atividades. 

O que merece ser citado aqui são dois resultados deste período do programa: a elaboração do Plano Diretor Metropolitano de Resíduos Sólidos elaborado pela METROPLAN e a adoção de carrinhos elétricos pela Prefeitura de Porto Alegre. 

"O Pró-Guaíba também viabilizou a adoção de carros elétricos para a coleta seletiva na região central de Porto Alegre, implementada pelo DMLU. (...) Também foi elaborado pela Metroplan o Plano Diretor de Resíduos Sólidos da Região Metropolitana, apontando a necessidade de redução, reutilização e reciclagem do lixo." (Site do Pró-Guaíba)


Nenhum destes exemplos surgem na discussão atual. Como foi a experiência da adoção dos carrinhos elétricos em Porto Alegre? De que forma o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos se relaciona com o realizado para a Região Metropolitana de Porto Alegre? Até agora não surgiu notícia a respeito.

O que podemos observar com isso tudo é que mais uma vez o principal objetivo da Prefeitura de Porto Alegre é cumprir com uma obrigatoriedade para ter acesso a recursos federais ao mesmo tempo que trata de "modernizar" o processo de coleta de material reciclável. Quem serão os beneficiados com estes recursos? 

É a primeira vez que isso ocorre em Porto Alegre? Não. É  processo idêntico a elaboração do Plano Local de Habitação de Interesse Social. Foi realizado para cumprir exigências para que o município tivesse acesso aos recursos do Minha Casa Minha Vida e afastou a população dos locais mais valorizados da cidade.


Tanto a questão relacionada à habitação quanto, agora, os Planos de Gestão de Resíduos Sólidos são exemplos de um processo comum nas cidades capitalistas: a acumulação por despossessão "comportamento predatório das elites político-económicas que lhes permite aumentar seus benefícios a expensas dos pobres e das camadas médias" (David Harvey).

Este é o projeto de cidade posto para Porto Alegre. O que piora no caso que estamos olhando é o fato disso tudo vir acompanhado de um discurso de "participação cidadã" que, como diz Garnier, vem para "disfarçar com um verniz democrático políticas urbanas fomentadas por e para uma oligarquia". 

O que fazer? 

"Talvez tenha chegado o tempo de inscrever de novo o direito à cidade no marco de uma luta contra a urbanização capitalista." (Garnier). 

O resto, é luta. 

(*) - MAGERA, Márcio. Os empresários do Lixo. Editora Átomo. 2005.

Sem comentários: